Da dor ao verbo

A noite acordou de ressaca. 

Pude sentir sua dor nauseante como se fora minha própria dor. A Lua estava deprimida. As estrelas, mudas, como nunca antes. Os céus tinham um tom pesado. 

A noite me absorveu para dentro de si. Fui sugado e esmagado, retido num semi-espaço, trancafiado em uma angústia sufocante que me fatiava por dentro. E por fora. De fora pra dentro. De dentro pra fora. De uma só vez a noite me tirou de mim e me tornou vazio. Fração ínfima do que fui. Tornei-me não-eu. Emergi em falta. Imergi. Mergulhei ao mais profundo vale dentro de mim. Encontrei solidão. Encontrei nada. Não me encontrei. Perdi-me de vista e perdi o chão. Rastejei e busquei abrigo, mas não havia onde me apoiar. Havia escuridão plena. A noite me venceu. 

A noite me venceu porque conseguiu iludir meus sentidos. Havia escuridão porque estavam fechados os olhos, tapados os ouvidos, atados os braços e pernas. 

Conheci o medo e o medo me fez gritar. Percebi que ainda tinha lábios e língua livres. Continuei a gritar, mas o grito era oco. Ninguém ouviria um grito oco. 

Mas gritava eu para que me alguém ouvisse? 

Todo grito de angústia é para ser escutado. Todo grito de medo é para ser silenciado. Toda miséria de si é para ser abraçada. Mas, por quem? Não havia nem mesmo eu em mim... 

Quem tem poder para curar a ressaca da noite? Quem? 

Quem pode silenciar o medo e ruir a angústia? 

Quem pode abraçar o que se acha em falta de si mesmo? 

Eu só sei que gritei para ser ouvido e tive braços e pernas desatados - comecei a sentir. 

Eu gritei pra ser ouvido e tive os ouvidos abertos - pude ouvi-lO chamar meu nome. 

Eu gritei pra ser ouvido e tive os olhos abertos - finalmente vi quem sempre esteve ali. 

Ele me abraçou a noite inteira. A minha vida interia. Jamais saiu. E me consolou até que a manhã despertasse de seu sono. Caminhou comigo de volta e me ensinou o trajeto perfeito. Agora que enxergo e sinto e ouço, sei que anda ao meu lado. 

Por amor. Porque é o próprio Amor.

o/