Ágora do Rio

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Local: Niterói, RJ, Brazil

27 abril 2007

Esquecido

E agora que me olho no espelho e já nem me reconheço mais, pergunto àquele estranho refletido ali, estático, que me sonda a alma pelos olhos: "Então, valeu a pena?" Mas ele se mantém o mesmo, vazio e perdido na inexatidão do não ser que é. Isso vai me deixando louco. A angústia que aos poucos se apodera de mim se repete na imagem, o que serve de alimento para que cresça cada vez mais. O ciclo se forma incrivelmente forte de maneira que o lento processo se torna acelerado em questão de segundos e eu já não consigo suportar. Seus olhos tão meus e tão desconhecidos não param de me olhar. Não! Não suporto isso! Não consigo! Meu punho direito toma vida própria e o choque se torna inevitável. Os sons de mão e imagem, real e irreal; do despedaçamento daquela pseudovida tão viva quanto lhe fora capaz ser; dos milhares de estilhaços que se espalham pelo chão; toda essa sinfonia que exala sopro, alívio e dor se mistura ao grito agudo e desesperado que nem parece meu: "VALEU A PENA?! HEIN?! ME DIGA AGORA! VALEU A PENA?!"
E, aos poucos, os joelhos se tornam fracos; as lágrimas presas por anos começam a se libertar em rítmo acelerado; os olhos se fecham com força; as pernas encontram o chão; o corpo se encurva; a cabeça baixa; as mãos tocam os cacos do reflexo despedaçado. "Valeu a pena? Valeu a pena toda a dor que senti por eles? Valeu a pena sofrer no lugar deles? Valeram a pena toda a luta e todas as escolhas que fiz abdicando de minhas verdadeiras preferências? Valeu a pena renunciar à vida para que eles vivessem? Valeu a pena viver por eles e agora ser esquecido?..."
Há um momento de silêncio quase que total. Só se ouve o soluçar oco de meu choro e o barulho agoniante de minhas lágrimas caindo no chão. Um momento que se estende por segundos, que se tornam minutos e até dias (pelo menos é o que sinto, mas a noção de tempo é irrelevante aqui).
Lentamente meus olhos se abrem e me vejo de frente com aquele olhar mais uma vez, refletido nos estilhaços de um outro eu espalhado sob mim. Mas, dessa vez é diferente. Os sentimentos são diferentes. Dessa vez eu me calo e ele diz tudo. Ele me faz lembrar do início, do porquê, dos porquês! Ele me lembra que não fiz isso por mim. Não. De maneira alguma. Essa nunca foi minha intenção. Eu nunca quis ser lembrado por nada. Eu nunca fui o centro. Eu fiz por eles. Por eles! Como pude me esquecer. Como pude ser tão idiota...
Mais uma vez fecho meus olhos e aquele olhar continua ali, estampado em minha mente tão vazia...e tão cheia.
"Perdão. Eu jamais devia ter me esquecido." São as únicas palavras que consigo ouvir. O olhar some lentamente. Um tímido sorriso sorrateiramente surge em minha face. Enfim, meus olhos se abrem pela última vez. "Valeu a pena."

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